O império do mal de Steve Jobs





A mente de Steve Jobs produziu invenções que praticamente o elevaram ao patamar de Deus. Ou você nunca ouviu falar em Mac, iPod ou iPhone? Sim, Jobs é o cara, o maior inovador dos nossos tempos, dono dos projetos mais desejados. Só tem um problema: dentro dos muros da Apple, a empresa que ele transformou em potência das indústrias de informática, da música e da telefonia, a história não é tão cor-de-rosa. Para produzir suas pequenas maravilhas, Jobs encarna um chefe tão filho-da-mãe que virou uma espécie de Darth Vader das empresas de tecnologia. Tudo o que companhias como Google e Facebook pregam, ele faz diferente: é contra o estímulo a ideias dos funcionários, contra a camaradagem entre chefes e subordinados, contra a abertura de projetos a consumidores. Nada disso vale na Apple.



BACIADA DE INSULTOS

Jobs costuma ver tudo como oito ou oitenta. Por isso, divide o pessoal da Apple em gênios e burros - e faz questão de classificar cada funcionário na frente de todo mundo. Exemplo disso é uma reunião que teve com os designers responsáveis pelo projeto do sistema Mac OS X, que seria lançado em 2000. Vader (ops, Jobs) abriu a conversa perguntando: " São vocês os caras que desenharam o Mac OS?", referindo-se a uma versão anterior do sistema. Os designers - inocentemente - disseram que sim. "Pois vocês são um bando de idiotas!" bradou Jobs. Na verdade, ele estava apenas seguindo uma de suas regras de ouro de liderança: "Chute uns traseiros para ver as coisas andarem". Pelo menos dessa vez, o fim da história foi feliz. Depois de achincalhar geral, Jobs acabou gostando dos protótipos. "Esta é a primeira prova de inteligência de 3 dígitos que vi até agora na Apple", disse ao grupo de designers. E olha que ser reconhecido por Steve Jobs como dono de um QI superior a 100 não é para qualquer um.

PRESSÃO PARA TODA HORA

Todos da Apple vivem sob um regime de terror, segundo Leander Kahney, jornalista ingles e autor do livro A Cabeca de Steve Jobs. "Todo mundo vive com medo de perder o emprego. Há uma tensao constante entra a paranoia da demissão e o zelo por deixar uma marquinha no Universo". De onde ele tirou isso? Dos relatos que ouviu de ex-funcionarios da empresa, como o engenheiro Edward Eigerman. "Voce pergunta aos colegas 'Devo apresentar este relatorio?' e eles sempre respondem: 'Você pode fazer o que quiser no seu ultimo dia na Apple'." Por que o medo? Porque qualquer momento é propicio para Jobs avaliar seus funcionarios - o que pode render uma sumaria eliminacao dos que nao passarem no teste. Ele costuma sabatinar empregados no meio do expediente com perguntas como "Para que serve o iTunes?" Ai do coitado que não detalhar os beneficios da loja virtual de musicas da Apple. Tem até adjetivo para os miseraveis que fracassam nesse ritual: steved, ou "stevado" em inglês.

OBSESSÕES E CAPRICHOS

Jobs e um fã dos detalhes. O homem lapida os produtos da Apple até enxergar neles a perfeição - o que, na pratica, significa ditar ate o número de parafusos que vão em um laptop. Como quando encasquetou com a placa-mãe do Mac original, lançado em 1984. Alegando que a placa era muito feia, ele pediu aos engenheiros da Apple uma combinacao mais atraente entre chips e circuitos. O problema: o layout da placa-mãe sai do jeito que sai para assegurar que ela funcione direitinho. E alguém conseguiu convencer Jobs disso? Olha, até conseguiu. Mas só depois de milhares de dólares gastos para desenvolver a Gisele Bündchen das placas-mãe. Apesar de ter seu charme, a nova placa-mãe não pegava no tranco. E Jobs teve de dar o braço a torcer. É por essas e outras que o pessoal da Apple trabalha em um ritmo frenético. Lá nos anos 80, a equipe criadora do primeiro Mac trabalhou sem descanso por 3 anos - e os funcionarios andavam pela companhia com camisetas que diziam "Noventa horas por semana e adorando."


PILANTRAGEM INDUSTRIAL

No inicio dos anos 80, os computadores eram basicamente geringoncas controladas por comandos digitados. Então veio o Mac - e Jobs nos deu o nouse e uma área de trabalho amigavel, com icones e menus. Ninguem precisava mais ser programador para entender daquilo. Genial, não? Mas são ideias que Jobs "emprestou" da Xerox. Os recursos estavam em protótipos qua a empresa caiu na bobagem de mostrar durante uma visita de Jobs a seu centro de pesquisas, em Palo Alto, na California. "A Xerox não viu o potencial do que seus cientistas haviam preparado", diz Kahney. "E, quando se trata de inovação, Jobs gosta de citar a famosa máxima de Picasso: bons artistas copiam, grandes artistas roubam". Esse uso de ideias alheias acontece até dentro da Apple. Jobs costuma refutar as propostas que recebe dos subordinados - e depois apresenta-las como se ele as tivesse criado. Ah, e sabe o iPod? A Apple ja admitiu que um britanico havia desenhado um tocador de musicas bem parecido no fim dos anos 70...


VOTO DE SILÊNCIO

O pessoal da Apple não pode falar sobre o projeto em que está trabalhando nem para a família - tudo para que a concorrencia não descubra o que entra no forno da empresa. Mas o mistério tambem serve como uma incrível estratégia de marketing. Primeiro, porque cria suspense sobre o proximo hit da Apple. E, segundo, porque evita que consumidores parem de comprar os produtos no mercado para esperar os lançamentos (você levaria o primeiro iPhone se soubesse que o 3G viria logo depois?) A regra do silencio ja fez até gente trocar de identidade. Quando chegou a Apple para comandar as lojas proprias da marca, em 2000, o executivo Ron Johnson teve de adotar um nome ficticio (virou John Bruce) por meses. Foi um recurso para que ninguem soubesse que a Apple havia contratado um especialista em varejo e planejava abrir seu próprio canal de vendas. Quem ja furou o isolamento da companhia sentiu a ira de Jobs: ele perseguiu na Justica blogueiros que divulgaram detalhes de produtos que seriam lancados.


A TAREFA DE MUDAR O MUNDO

Ok, Jobs é o diabo como chefe. Mas quem trabalha para ele tem uma rara oportunidade: a de revolucionar a vida das pessoas. Jobs e um apaixonado por seus produtos, a ponto de fazer a equipe acreditar que está criando algo unico na historia (e é mentira?). Graças a essa paixão - e, sim, a fixação pelo segredo, ao perfeccionismo e a pressão por trabalho que formam o lado tirano de Jobs -, a Apple é cultuada no mundo todo. Até por quem adora tirar uma da cara de Jobs. "Ele resgatou nossa capacidade de nos maravilhar como crianças diante das coisas", diz Dan Lyons, jornalista americano que por anos encarou o personagem fake Steve Jobs em um blog. "Com Jobs fora da Apple, o mundo da tecnologia fica sem seu maior visionário." Pode até ser, Mas fica um pouco mais simpatico também.



TEXTO ALEXANDRE CARVALHO DOS SANTOS
DESIGN DA PÁGINA ROBSON RICARDO



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